A loucura é um distúrbio mental que afasta o indivíduo de sua
capacidade de agir racionalmente e altera a constituição da realidade por ele
percebida. Mas não só medicamentos podem tratá-la. Segundo o escritor,
dramaturgo, ator e quadrinista Lourenço Mutarelli, outra via de tratamento para
a loucura é a literatura. Relacionando uma com a outra, o autor do romance O
Cheiro do Ralo é entrevistado no episódio Loucura e Literatura, da série Super
Libris. Dirigida pelo cineasta José Roberto Torero, a produção é exibida pelo
SescTV nesta segunda-feira (13/08), às 21h.
Mutarelli nasceu em 1964, em São Paulo. Já publicou dezenas
de histórias em quadrinhos, pelas quais foi premiado algumas vezes, e oito
romances, além de ter atuado em diversos filmes. Durante 20 anos, tomou
medicamentos alopáticos para depressão e síndrome do pânico. Recentemente,
trocou por fitoterápicos e álcool, os quais ele revela terem mudado sua vida e
sua forma de escrever. “O álcool me deixa muito mais sociável, enquanto os
remédios me deixavam introvertido”, diz.
O uso dos medicamentos tornou, para ele, o desenho e a
escrita menos importantes. Ele decidiu dar um tempo, ficou quatro anos sem
escrever, “e sem sentir falta”, ressalta. Há pouco tempo, porém, retomou a
escrita, porque ela o ajuda no tratamento de seus distúrbios psiquiátricos. “A
literatura é uma forma de exorcizar um pouco da loucura. A loucura é uma coisa
muito triste, quando está perto. E meu trabalho sempre foi meu tratamento. Eu
saio melhor a cada livro”, garante.
Mutarelli conta que, quando está escrevendo, é tomado por uma
espécie de surto, que altera sua realidade. “A minha sorte é que eu transito
muito rápido pelo estágio da escrita”, diz. Para ele, a palavra ajuda no
tratamento porque ela organiza e aprofunda o pensamento. “Eu percebi que não
consigo pensar mais profundamente do que quando eu escrevo. É uma coisa que me
acalma muito”, completa.
O autor declara que seria interessante conectar eletrodos a
nosso cérebro para perceber em qual região ele se ilumina quando nos
concentramos. Para atingir esse foco, ele afirma que procura momentos de êxtase
enquanto escreve. “Quando o personagem diz um diálogo, ou você constrói um
momento, uma coisinha... é o riscar o fósforo, ou a ejaculação”, compara e
acrescenta que o que segue daí é um vazio absurdo. “Eu tenho aquilo, ok, é
legal; mas é um grão de areia numa muralha. Eu quero mais”, diz.
Mutarelli narra um episódio em que sua concentração era tanta
que não percebeu que a arma que seu irmão, policial, limpava disparara uma bala
rente a seu corpo. Ele também conta que fez uma cena de filme com 600 baratas,
insetos dos quais sente pavor, e, de tanta harmonia entre ele e elas, o autor
as trouxe para perto de si, serenamente. “Esse estado é um ponto que te centra.
Tem a ver com a loucura, com a hiperexcitação do cérebro, com conexões
isoladas. Talvez a felicidade, mesmo, venha disso: de pensar em uma coisa só. É
como a paixão: uma ideia fixa”, frisa.
Além da entrevista principal, Lourenço Mutarelli participa de
outros quadros no episódio Loucura e Literatura. Em Pé de Página, ele mostra o
local onde trabalha, que ele chama de “jaula”; além disso, conta como se
disciplina para escrever e explica que escreve porque precisa. No quadro
Primeira Impressão, Mutarelli sugere a leitura de Café da Manhã dos Campeões,
de Kurt Vonnegut.
O quadro Orelhas ainda apresenta uma biografia do escritor
carioca Lima Barreto, que se relacionou com a loucura ao longo da vida. Em
Prefácio, a pedagoga Sandra Medrano indica o livro Ismália, de Alphonsus de
Guimarães. No Quarta Capa, a youtuber Denise Mercedes comenta o livro O Grifo
de Abdera, do próprio Lourenço Mutarelli. E, por fim, em Epígrafe, quadro novo
da segunda temporada da série Super Libris, Marçal Aquino conta como adaptou o
livro O Cheiro do Ralo, de Mutarelli, para o cinema.